No banco de trás
Tive alguns pesadelos hoje. A noite foi angustiante. Talvez por isso esteja até agora com uma sensação tristonha no peito, na cabeça, nos olhos alagados e ardidos...De manhã, saí de casa assim e busquei um táxi para ir ao trabalho. Quase véspera de Carnaval, um calor danado, encontrei um carro com as janelas fechadas e o ar-condicionado ligado. Entrei e percebi que o motorista fungava. Pensei imediatamente: "Ai, não. Lá vou eu passar o Carnaval resfriada novamente!". Abstraí, abri meu livro e vez ou outra percebia a gripe do motorista, que me interrompeu.
- Moça, desculpa por estar chorando.
Senti-me uma energúmena. O senhor português não estava gripado. Ele estava profundamente triste. Chorar, para mim, é normal. Mas existem situações mais tristes ainda, em que você chora de repente, sozinho, sem controle. Eu já chorei dirigindo, já chorei mergulhando (muito perigoso. Na prática e sem ter outro jeito, comprovei que tinha aprendido a lição de como desembaçar a máscara nas profundezas do oceano)....
Lembrei agora que também já chorei dentro de um táxi, por horas, no banco de trás, tentando ser silenciosa. Daquela vez, o motorista percebeu, mas foi discreto. Despediu-se de mim, sinceramente desejando o melhor e só completando: "Não fica triste, não. Tudo vai melhorar amanhã".
Então, me senti cúmplice do senhor. Perguntei o porquê das lágrimas.
- Eu perdi a coisa mais importante da minha vida. Meu filho. Ele foi assassinado.
- Mas como?, indaguei assustada e comovida.
- No Hospital de Bonsucesso. Teve uma febre e foi ver o que era. Nem resfriado estava. Dois dias depois, me avisaram que ele estava morto!
- ....
- no Hospital de Bonsucesso, onde ele nasceu há 43 anos. Lá ele nasceu, lá ele morreu. Lá ele veio ao mundo e lá tiraram a vidade dele. No Hospital de Bonsucesso.
- mas como? o que aconteceu?
- ninguém me explicou. Mas tenho certeza de que fizeram isso para roubar os órgãos..
- e quando foi isso?
- vou ao São João Batista no domingo, vou visitá-lo lá; é onde ele mora agora. Há onze meses...
Eu não sabia o que dizer. "Faz quase um ano", pensei. E ele me contava a história com como se tivesse sido ontem. Com carga dramática, leve desconexo, quase entre soluços. Muita dor. E lá estávamos nós. Agora, os dois chorando; dois desconhecidos, dentro do táxi, numa quarta-feira de sol, às lágrimas, juntos. Abri meu livro aos poucos, constragida por talvez não parecer solidária à dor do motorista. Eu só queria esquecer. Mas não consegui me concentrar. Se já estava angustiada, caí nas profundezas. Eu, com meus pesadelos. E tantos outros com os seus.
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Bonitinho foi abrir meu e-mail pessoal e encontrar a mensagem de um anjinho (já falei sobre ele neste blog), desejando muito amor no meu coração neste Valentine's Day - o dia internacional dos apaixonados. É hoje e não ia lembrar se não fosse o anjo. Antes de qualquer coisa: anjo não tem sexo! A mensagem foi totalmente desprovida de segundas intenções.
2 Comments:
Lindo post!!! Apesar da triste história!! beijos
poxa, e vc nem me conta... falou comigo o dia todo....
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